O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse neste domingo esperar “bom senso” no dia em que a Venezuela realiza um referendo para anexar um território rico em petróleo que corresponde a cerca de dois terços do território da Guiana. Em entrevista coletiva em Dubai, o presidente confirmou que tem medo de uma guerra na vizinhança e disse “se tem uma coisa que o que a América do Sul não está precisando agora é de confusão”.
Falando a jornalistas no lobby do hotel momentos antes de partir para Berlim, Lula disse ter falado por telefone com o presidente da Guiana, Irfaan Ali. E lembrou que o assessor especial da Presidência, Celso Amorim, esteve em Caracas para conversar com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, a fim de evitar uma escalada.
— Tem um referendo, provavelmente o referendo vai dar o que o Maduro quer [anexar a Venezuela], porque é um chamamento ao povo para aumentar aquilo que ele entende que seja o território dele — afirmou Lula. — Só tem uma coisa que o mundo não está precisando. Se tem uma coisa que a América do Sul não está precisando agora é de confusão. Se tem uma coisa que precisamos para crescer e melhorar a vida do nosso povo é a gente baixar o facho, trabalhar com muita disposição de melhorar a vida do povo e não ficar pensando em briga. Não ficar inventando história. Espero que o bom senso prevaleça do lado da Venezuela e do lado da Guiana.
Lula, que passou por Dubai para participar da conferência climática COP28, foi questionado na coletiva pelo Valor se tem medo de uma guerra entre os dois países.
— Quem é que não tem medo de guerra, cara? É uma contradição a gente fazer um encontro dessa magnitude [COP28] para discutir a redução de gases de efeito estufa e os caras jogando bomba — afirmou. — A humanidade deveria ter medo de guerra, porque só faz guerra quando falta o bom senso. Quando o poder da palavra se exauriu por fragilidade dos conversadores. Vale mais a pena uma conversa do que uma guerra.
Disputa tem quase 200 anos
A disputa fronteiriça entre Venezuela e Guiana já se arrasta por quase dois séculos. O estopim foi em 1835, quando o governo britânico começou a delimitar as fronteiras de sua então colônia, definindo o rio Orinoco como a divisa, abocanhando um imenso território rico em ouro que os venezuelanos reivindicavam como seu. Para a Venezuela, o limite de suas terras chegava até o rio Essequibo, centenas de quilômetros a leste dali.
Em 1899, uma comissão arbitral em Paris concedeu 95% do território em disputa à Guiana. Mas, em 1962, a Venezuela declarou a região concedida à antiga colônia no século anterior como uma Zona em Reclamação. Em 1966, com a independência da Guiana, os dois países assinaram um tratado em Genebra em que reconheciam a controvérsia, outorgando ao Secretário-Geral da ONU autoridade de mediação.
Desde 2018, o assunto está sendo discutido na Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia, por sugestão do atual secretário-geral, Antônio Guterres. A mudança ocorreu três anos após a ExxonMobil ter descoberto imensas reservas de petróleo na região, o que reacendeu o conflito. A Venezuela, no entanto, não reconhece a jurisdição do tribunal para decidir sobre a disputa.