Para eles, a mudança foi psicológica foi perceptível. “Ela foi abusada em 2019, na época a gente não sabia, mas percebemos que ela estava diferente. Não saia tanto, ficava mais em casa. Estava cada vez mais introspectiva”, relatou um dos parentes. “Até que em novembro do ano passado, ela fez uma ligação de vídeo com a gente e foi quando ela desabou e contou tudo que aconteceu. Foi só aí que a família ficou ciente”, explicou outro.
Entidades feministas
“Segundo eles, as vítimas desse estupro são ‘meninas de festinha’”, pontua Lara Buitron, do Fórum de Mulheres de Pernambuco. “São meninas que estão aí para serem usadas, esse é o sentido que o advogado coloca nas suas frases. Para culpabilizar as vítimas eles estão colocando que elas são usuárias de drogas, o que não tem nenhum problema, usar drogas não significa que seu corpo está disponível para ser violentado. É exatamente o mesmo argumento usado no caso de Ângela Diniz, morta em 1986”, relembra.
Advogada e líder do comitê de combate a violência contra mulheres do Grupo Mulheres do Brasil Recife, Barthira Caldas, comenta que a luta das mulheres é provar que têm direitos e deveres, diariamente. “Então assim, é muito importante que a gente traga essa pauta, que a gente apoie outras mulheres, que as mulheres estejam juntas nesses movimentos. Temos que exterminar a violência contra a mulher, porque a violência não é só a física. Quer dizer que mulheres não podem de forma nenhuma sair, se divertir, não têm o direito, como todos os homens fazem, a gente não pode ter esse direito. Estamos regredindo?”, questiona.
Barthira ainda pontua que a agressão contra a mulher não é uma agressão apenas à vítima. “Quando se fala em agressão contra a mulher, se destrói uma família. E, também, uma nova geração de meninas e adolescentes que estão passando e vivenciando já desde nova essas violências. Nossa luta é essa. Exterminar a violência contra a mulher”.
O caso
Rodrigo Carvalheira foi preso pela segunda vez em junho e está no Centro de Observação e Triagem Professor Everardo Luna (Cotel), em Abreu e Lima, no Grande Recife. A primeira prisão aconteceu em abril, quando ele ficou menos de uma semana no presídio.
A segunda prisão foi pedida pelo Ministério Público (MPPE) devido a uma ligação que Rodrigo Carvalheira teria feito em dezembro de 2023. Ele teria mantido contato com o tio de uma suposta vítima.
Assim, o MPPE considerou que o empresário estaria interferindo nas investigações do caso.
Inquéritos
No dia 31 de maio, a Polícia Civil pernambucana detalhou o estágio dos cinco inquéritos que investigaram o empresário.
Em três casos, ele foi indiciado por estupro de vulnerável. Os outros dois prescreveram. Ou seja, o Estado não tem mais como executar a punição contra o empresário.
Em todos, no entanto, a Polícia Civil encontrou um ponto em comum: Carvalheira aproveitou relações de amizade para poder estuprar as vítimas.
Além disso, em todos os episódios, segundo a polícia, as vítimas estavam sob efeito de álcool ou em estado de sonolência.
A corporação também afirmou que duas das cinco mulheres eram adolescentes na época em que os estupros aconteceram.
Uma delas sofreu a violência sexual no dia do próprio aniversário de 16 anos, em 2009.
A outra também tinha 16 anos na época em que foi estuprada, em 2005. Esses dois são justamente os casos que prescreveram.
Dessas duas vítimas, uma delas foi estuprada quando estava em estado de embriaguez e outra quando estava sob o efeito parcial de embriaguez, segundo a polícia.
“A conduta do investigado revelou o mesmo método de ação. Foram feitas várias diligências, algumas sigilosas. A gente constatou que existiam elementos suficientes para fazer o indiciamento. A gente identificava o estado de vulnerabilidade das vítimas e o elo de confiança que o investigado tinha com elas. O que torna elas mais vulneráveis ainda, pela relação de confiança e retirada de vigilância. Eram relação de amizade prévia. Outras mulheres que também eram consideradas amigas do investigado perceberam que passaram pela mesma coisa. Essas vítimas levavam um bom tempo para perceber que tinham sido vítimas de um crime”, disse a delegada Jéssica Ramos, titular da 1ª Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM).
“Esses fatos são bem diferentes dos casos de estupro que estamos acostumados a ver. Aqui, a gente trata de uma relação de grupo de amigos, em que a vítima não espera ser abordada de alguma maneira indesejada que está ali convivendo com você. Aquele pessoal que faz parte do grupo de amigos se surpreende com atitudes de violência sexual. Ficaram evidenciadas tentativas de relações sexuais, quando as vítimas estavam em estado de sonolência ou embriagadas, pelo uso de álcool. Então, esse estado em que a pessoa se encontra em sonolência ou embriaguez acaba a tornando vulnerável. Ela não consegue optar, de fato, e saber o que quer ou não quer deixar acontecer. Algumas vítimas nem se lembram como deixam acontecer as situações. Então, o ponto-chave é que havia sempre essa relação de amizade e confiança. Algumas vítimas tiveram somente a coragem de denunciar anos depois, o que não significa que o crime não deixou de acontecer”, completou.